1 rabisco: sobre a crise da família e a transição existencial

Por Venancio de Oliveira

Começo estes rabiscos com a única pretensão de refletir e na medida do possível compartilhar esta reflexão sobre o tema espinhoso do amor. Enquanto reflexão coletiva e exercício pleno do pensamento, está cheio de sentidos mágicos, seja dos outros ou de pensar a si mesmo sem as amarras de algum pressuposto metafísico. Se estamos jogados neste mundo, o que nos resta é pensar sobre ele e nossas relações.

Parto de uma proposição: as relações afetivas contemporâneas são cheias de cadafalsos de incompatibilidades, falsas afinidades, vácuos frente ao fetiche do prêmio, etc. Vivem submersas no signo da crise de uma transição existencial da crise da família. Por um lado, o desejo de voltar ao mundo estável, que aparecia naquela fotografia bela do natal, do pressuposto ideal, que te dizia: você deve ter uma família, é o que te define, teu lugar no mundo. E daí milhões de supostos escravizadores, da mulher principalmente, e do ideal de uma relação monocromática do pai e da mãe, com supostos violentamente hetero-normativos. Ora, mas esta família já não é obrigatória, as pessoas podem separar-se e o fazem de uma forma rapidamente incrível. Num dia estão em chorosos e calorosos casamentos de juras eternas e no outro, no bar, cantando músicas bregas em busca de algo perdido.

Que resta da família? Se os papéis de mãe, pai, já não são socialmente obrigatórios e nem definem o êxito de uma pessoa? Você olha a pessoa ao teu lado, já não sente nada, não tem magia, teme, não quer perder esta estabilidade, teme a solidão, pensa que seria bobagem abandonar esta pessoa tão maravilhosa e boa para você, mas não sente nada e está livre das amarras sociais: pode sentir mais e o tédio vai te mostrando que o mundo lá fora é cheio de aventuras.

 Por outro lado, no outro extremo, estamos jogados na solidão, numa carência de relações líquidas no mercado dos afetos, na ditadura do prêmio do cavalo de corrida. Também imersa neste ideal de alfa. Ora, o hedonismo da máxima da economia do consumidor, quanto mais mercadorias-corpos consumo, mais sou feliz. E entre estes dois polos sofremos, pois no meio de tanta liquidez tentamos impor nos outros, fantasmas de um ideal estável, queremos desesperadamente ver no sujeito que está na minha frente, um amor eterno. E quando nos decepcionamos outra vez, a ruptura nos coloca de novo na imensidão e insegurança do mercado de demandantes de beijos vazios e dos ofertantes de corpos, logo esta ruptura nos coloca na lógica de desacreditar os afetos e, assim queremos vorazmente devorar todas as almas, meus prêmios e minhas vitórias. Mas o outro não é uma medalha.

Assim, se impõe a máxima: Eu desejo amor, mas não acredito nele.

(continua).

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